segunda-feira, 24 de abril de 2017

Tentações

Olhei-a, sentado no meu terraço
impávido e sereno,
cigarro aceso e um copo de bagaço,
antevendo o melaço do regaço daquela mulher.
Em pé, ombro apoiado na parede
mini saia preta e blusa de rede,
uma taça tinta de vinho na mão
e a cumplicidade de um Marlboro na outra. 
Sem infração, contou-me em silêncio segredos,
expondo-me os medos 
que ouvi e bebi, como se fossem minhas 
as pétalas de fumo que lhe nasciam nos lábios.
Embriagado pela subtileza dos gestos sábios,
cedi.
E fumei-lhe a espera,
num salgado jogo sem pressa 
ao leme da tentação.
Em maresia sem promessa...
entregues à ondulação, 
dois corpos famintos,
em goles de beijos tintos
salgados instintos de prazer carnal.
Devoção em alto mar
até a onda rebentar... 
... e a jusante da maré
lhes permitir regressar. 
 
Amantes citadinos num terraço ao pôr-do-sol,
nus.
- Só a liberdade é necessária para amar!

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Espero por ti ao pé da ponte

Esperei por ti ao pé da ponte
florida, na esperança vã enfeitada
se adentro p'lo mar dos meus olhos,
te visse vinte e oito passos apressada.
Chegavas-te a mim com três laranjas no regaço
em tom d'embaraço por não te saberes explicar,
na demora em me abraçar, cem braços de rio por navegar 
mil palmos de terra por explorar
e dez mil milhas de sonhos por cumprir.
Deixei-te rir, nervoso miudinho
de quem não me conhece o dorso
e sabe que nele terá (quem)barcar.
Aqui, deste lado da ponte, não há quem sou.
Mas acolá, onde os pássaros cantam, 
onde as flores encantam 
e onde a humanidade nasce em ramos de alecrim, 
há um jardim de sonhos encantados,
por mim semeados
- enquanto te esperava do lado de cá -
cantei o credo, cândida à fonte
para que os regasse, até que a hora chegasse
e em ti brotasse a vontade de me ter. 
Felicidade que andais perdida com três laranjas no regaço...
em passo baço, de quem não luziu ao nascer. 
Vem sentar-te nas minhas costas 
e deixa-me ser escrava de tuas viris vontades
alimenta-me com o sumo da tua laranja
e deixa o excesso escorrer pelo meu queixo...
(não é desleixo) e lá em baixo,
no lazarento jardim dos meus sonhos,
será fértil tudo o quanto dele beber.
Vem, que por ti ainda espero ao pé da ponte.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Vem Sentar-te Comigo à Beira Tejo

Vem sentar-te comigo à beira Tejo,
futuro, que se faz tarde; 
e o por do sol anoitece
no limiar de um peito que arrefece
às mãos do solstício da saudade.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Apatia

Incorro em pasmaceira de jumêncio
sempre que se abate o silêncio
para lá da chuva que cai.
Tudo padece,
nada apetece,
a apatia envaidece
e a tristeza agradece 
(o trono)
à alegria que se esvai.
Entrego ao sossego o meu corpo
e à elegância da chuva o quem em minh’alma vai.
Sentimento silvestre que em bailado agreste,
pinta áspera e rupestre,
a decadência que me trai.

Vestir-se-á somente de memórias
o frio que (em mim) a manhã sente?
Ou mente
o sol quando espreita, longínquo
e da doce e sumarenta polpa da vida
me faz crente?

Com o arco íris me enganas...

Reino de Hades

Letárgico olhar citadino;
sudoríparas águas do Tejo.
Fundem-se Tágides e humanos
sem pudor, no calor do inferno.
Corpos e ninfas, mortais mitológicos
que no fulgor da carne humana,
derretem vorazmente e à viva chama
o primórdio cântico de Camões
em "fúria grande e sonorosa",
numa cama condenada ao deserto.

Depois do fogo, só as cinzas.
E o incerto.

Tentações

Olhei-a, sentado no meu terraço impávido e sereno, cigarro aceso e um copo de bagaço, antevendo o melaço do regaço daquela mulher. Em pé, o...